História do Buraco do Bulandim
Desde
fins do século XVIII, foi descoberto nas faldas do grande tabuleiro que se
denominou Bulandim, o grande buraco que tomou o nome do lugar.
Logo
começou o murmúrio dos habitantes, cada qual dando sua opinião sobre aquele
buraco. Uns diziam que tinham sido feito por negros fugidos para se abrigarem,
outros que tinham sido os antigos indígenas que habitavam essas plagas, outros
ainda afirmavam que fora feito pelos holandeses que ali deixaram um grande
cabedal.
Os mais ingênuos acreditavam que
ali havia um reino encantado.
Em 1855
apareceu no mesmo sítio um estrangeiro, a procura do tal buraco e arranchou-se na
casa do Sr. André, conhecido por Andrezinho.
O
viajante disse que andava procurando o buraco que se achava no lugar que ele
chamava de “Lagoa Sêca”.
Andrezinho
tendo compreendido que o lugar que ele chamava “Lagoa Sêca” era o mesmo
Bulandim de hoje, disse-lhe que era ali o lugar que ele procurava. No outro dia
seguiram para o lugar procurado.
O
estrangeiro, depois de verificar bem o local disse a Andrezinho que ali tinha
um grande tesouro, do qual era o dono, mas sem ordem do proprietário não
pegaria uma folha deste monte.
No
outro dia, muito cedo estavam ambos de viagem para a fazenda Jocira, onde
morava o proprietário, capitão Antônio Anselmo. Tinham de passar pela povoação,
hoje cidade de Bom Conselho.
Ao entrarem na rua do Corredor
encontraram o alarma do povo espavorido com a epidemia de cólera que se tinha
desenvolvido. Naquela noite, numa mesma rua amanheceram, doze mortos fora os
acometidos.
Então
o estrangeiro resolveu voltar, e chegando a casa deu a Andrezinho um roteiro e
descrição do Buraco dizendo: “Toma
esse papel. Se eu daqui a dois anos não voltar é porque mor- ri; tu vais e
tiras o tesouro que será teu. E foi-se”.
A ideia
Passados
dois anos Andrezinho procurou o Sr. Manuel Vitorino, que era seu amigo para
irem tirar o tesouro, porém escondidos.
O FLAGRA
Quando
o capitão Anselmo ia para a fazenda eles iam fazer a escavação, nada
conseguindo. Por fim, morre Manuel Vitorino, ficando o roteiro em poder dos
filhos, depois perdendo-se.
O
seu filho Joaquim Athanásio, ficou com alguma recordação do roteiro e em 1909
resolveu explorar o buraco, depois de obter licença do novo proprietário.
QUANDO O CARLOS ENTROU NA
HISTÓRIA
Tentou
diversos dias, sem nada conseguir, até que um dos seus companheiros disse-lhe
que só descobriria alguma coisa se pudesse levar o Sr. Carlos Villela
"pois é um homem que acho com ideia suficiente para isso”.
Em 27 de novembro de 1909, eu me achava a braços com uma colheita e um grande
plantio de fumo, quando chegou o Sr. Atanásio e convidou-me para fazer parte na
exploração do buraco. Eu lhe respondi, diz Carlos Vilela:
—
Sr. Quincas, só lhe direi alguma coisa depois de examinar o buraco, pois eu
nunca vi o buraco, apenas ouço contar as fantasias do reino encantado. Disse ele
— então iremos amanhã.
No outro dia, 28 de novembro de 1909, minha mulher, que esperava dar à luz amanheceu
acometida dos primeiros sintomas de parto.
Finalmente,
às onze horas, nasceu uma criança do sexo masculino, e eu segui a fim de
cumprir o meu trato. Chegando ao ponto indicado não encontrei mais o
companheiro.
A PRIMEIRA ENTRADA NO BURACO
Encontramo-nos no dia 8 de dezembro
de 1909 entramos no buraco até um certo ponto, pois a luz da
vela não era suficiente.
Eu estava satisfeito com o que
tinha visto, e o Sr. Quincas passou a contar o que lembrava do roteiro.
Dizia
o roteiro que o recinto onde se acha o tesouro, fica entre a segunda sala;
mandava medir da boca do buraco para tal parte 600 pulos, porém o Sr. Quincas
não sabia para onde era a direção da medida, se para dentro ou para fora.
Disse-me
ele que na boca do buraco, que era como a de um forno, existia um letreiro, em
língua estrangeira.
O TESOURO
Havia
ainda um portão que dava entrada para o recinto do tesouro, que era constituído
por 60 tachões cheios de ouro em barras, uma arca cheia de pedras preciosas,
um caixão com moedas, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição com um diamante
na cabeça que iluminava todo o recinto.
Feita
esta descrição eu disse: Sr. Quincas, se houver esse recinto na exploração, ele
dá sinal, e se der eu entrarei nele.
Tratei
de procurar sócios que foram o Sr. Josino Villela (meu irmão) e o Sr. José
Cândido, meu cunhado.
Assim,
tudo organizado, no dia 14 de dezembro de 1909 teve começo nossa exploração.
Três dias depois, o Sr. Quincas disse: —
“por minha parte está feita a exploração...”
Perguntei
— Por que? Eu estava sentado, de lado, prestando atenção ao trabalho e tinha
visto o que eles não viam.
Respondi
—- pois Sr. Quincas — “Para mim agora é que vamos começar. O Sr. e seus
companheiros não viram que cortaram um aterro batido a macete!
Os
Srs. não viram.” Teremos que seguir este aterro, pelo que vejo o segredo está
abaixo dele. Sigam com o trabalho para tirar todo este aterro até sairmos na boca.
E,
deixando estas ordens, retirei-me. Seguiram a arrancar o aterro encontrando o
fundo do buraco; quando chegaram a segunda sala.
Depois
de termos passado pela terceira, o recinto deu sinal que existia, porém não se
compreendia para onde era aquele som.
Quando
chegou-se a desencavar toda a sala, que era maior e tinha para baixo a mesma
abóboda que tinha para cima, passamos ao resto do buraco até a boca, aonde do
lado esquerdo de quem entrava, encontramos uma arcada cheia de entulhos. Por
ela seguimos; com trinta palmos fez virada para dentro da serra.
Seguimos,
e na distância de 40 palmos, tornou a virar paralela ao buraco. Eu fazia mil
estudos e não podia decifrar nada!
Avaliava
ser o recinto para o centro do tabuleiro, e, assim persuadido pensei em fazer
um túnel para aquela direção. Ao lado direito da 2ª sala, entrei direto para o
centro da serra e com uns trinta palmos de escavação, pude conhecer que o som
ficava para a esquerda, por onde entramos e então fui conhecendo que o som era
para baixo.
Fomos
então descendo até que achei que estava em cima do recinto. Furei quarenta
palmos, parecendo pelo som estar muito perto do recinto. Era porém engano do
ouvido.
Quando
vi que estava muito longe dei por findo o meu trabalho, e voltando para a
abertura do boieiro aí fiz outro buraco em frente ao que tinha deixado.
Quando
chegou a 20 palmos os caboclos recuaram e não quiseram mais trabalhar. Vi-me então
forçado a pegar a picareta e continuar o trabalho.
Fui
descendo e à proporção que descia maior era o som e eu tendo mais certeza da
existência do recinto, dizia: “por aqui arrombarei esta fortaleza”.
Quando
cheguei aos cinquenta palmos maior era o barulho. Eu descia por uma corda e a
terra subia em carretei; e fui continuando esse penoso e arriscado trabalho,
trabalhando muito pois fazia dois palmos por dia.
Um
dia, depois de fazermos o bode (refeição) eu desci; quando estava a uns 50
palmos, quebrou-se a corda. A minha fortuna foi eu ter deixado aqui e acolá um
pau de travessa: quando a corda arrebentou eu estava junto a um deles e
escanchei-me; a descida da corda e o baque em baixo foram um estrondo enorme.
Passados
aquele barulho, eu estava firme no pau, e encostado na parede gritava pelos
companheiros, porém eles não me ouviam e quando finalmente viram meu estado,
ficaram estupefatos e eu gritei que me dessem uma corda pois eu já não
suportava mais a posição. Peguei a corda, desci e continuei meu trabalho.
Já
estávamos no mês de julho e eu não conseguia arrombar aquela fortaleza. Cortava
sempre, encontrando a mais dura argamassa.
Depois
de 300 palmos encontrei uma abóbada que eu cortava de lado, largando uma
espécie de mosaico. Era uma coisa admirável! As vezes sentava-me meditando e
dizia comigo: — aqui andou a mão do homem.
Assim
continuava e ia-me aproximando do vácuo que eu conhecia o som, que era mais de
metal que do buraco. Até que senti querer desabar. Então, a coisa que eu
avaliava fácil tornou-se um verdadeiro abismo.
Chamei
o compadre Luís para descer e vir até a mim. Ele tentou, porém com uns 50
palmos disse: — Compadre está me dando uma coisa!
Eu respondi:
— Então volte, se você cair aqui ficará, a corda do carretei não aguenta um
homem. Volte!
Ele
obedeceu e eu fiquei a meditar e pesar os fenômenos que aquele desabamento
acarretaria. Eu não tinha medo da caída do tampo de barro e sim da fumaça, da
poeira, do estrondo e da subida por uma corda 38 braças.
Não
era coisa de pouca importância. Depois de pensar deliberei deixar o buraco e
não expor minha existência. Iria tentar noutro lugar pois bem compreendia que o
túnel prolongava-se pelo monte abaixo e deixei o buraco para sempre.
Eu estava no meu senso e não ia
fazer o papel de Silva Jardim no Vesúvio. E assim abrimos novo buraco.
Deliberei
fazer por ali o arrombamento e seguir sempre cortando argamassa — paredes todas
caiadas de oca amarela, outras cor de chumbo, era uma maravilha: já estávamos
em março de 1911.
E
assim continuou Carlos Villela a fazer a escavação. Toda a família pedia-lhe
para desistir. Seus recursos foram minguando e os companheiros o abandonaram
até que ficou completamente só. Mas continuemos a ler sua lembrança.
A ROTINA DURANTE A ESCAVAÇÃO
O
que para mim era pesado demais era cavar e tirar a terra, porém o meu fim era
aquela descoberta custasse o que custasse, às vezes deixava a picareta para
saborear um cigarro e sentava-me sobre a terra e pensava em como eu sujeitei-me
àquele exílio voluntário, deixando a sociedade da qual fazia parte, e me achava
naquele estado, sujeito à intempérie, aos bichos peçonhentos e às muruanhas que
queriam me comer vivo, a uma luta sem fim! Mas não posso deixar.
Sei
que tem a fortaleza e que eu continuando a perseguir hei de vencer. Nesta
ocasião lembrava-me dos fatos heroicos de todos os tempos e dizia comigo mesmo,
eu serei um dia também um herói assim que eu vencer este gigante.
Já estávamos
em dias de outubro e eu continuava com o trabalho sempre com esperança pois eu
mais ou menos conhecia que estava perto do aludido portão. Portanto era preciso
fazer da fraqueza força.
Pois
não tinha mais apelação de recursos nem físicos nem morais. Portanto era
forçoso deixar. Não podia mais resistir ao peso do trabalho que estava a
completar quatro anos e o arrojo de todos os meus conhecidos e parentes, e
principalmente do meu irmão Gino que além de irmão eu tenho na conta de um
amigo. Consenti em seguir o destino que os meus queriam. Iria dar esse
último combate e depois prosseguir.
Textos do livro Raízes de Carlos Vilela
Fotos: Cláudio André O Poeta