18 de agosto de 2014
QUANDO A MORTE VIRA UMA FESTA
Por Michael Zaidan Filho
Esse é o título do livro escrito pelo historiador baiano João Reis, falando dos velórios realizados no interior do Brasil. Para não fugir à tradição, o velório e o funeral do ex-governador de Pernambuco e ex-candidato à Presidência da República pelo PSB tem tudo para se transformar num mega-espetáculo, inclusive com carros de som convocando a população do Recife para o evento fúnebre, a ser realizar – aliás – no Palácio do Governo. A festa tem a cara de uma ato político-eleitoral, com a anuência da família do falecido.
Nem bem ainda o IML tinha realizado o exame de DNA para a identificação dos despojos que corresponderia ao corpo do ex-governador, o irmão- literato usou de suas habilidades intelectuais para redigir uma carta aberta propondo a substituição do irmão morto pela irmã (de fé?) Marina Silva na cabeça da chapa majoritária do PSB. Não deixa de ter seu valor de curiosidade etnológica essa mistura – tipicamente nordestina e brasileira – entre negócios e luto. A morte também pode ser um grande negócio. Haja vista a venda de flores pelas floriculturas do Recife. Muitas lucram com a morte trágica e o sentimento de luto da família do ex-governador. Daí a preocupação com o funeral que deve contar com honras de Estado.
Lembrem-se do suicídio de Getúlio Vargas, a morte de Tancredo Neves, a morte de Miguel Arraes e agora, a do seu neto e herdeiro político. Muita gente quer tirar proveito desse funeral. Até os adversários e ex-adversários políticos do ex-governador. Um evento desse tipo pode ser facilmente transformado – com o auxílio inestimável da mídia e do governo estadual – numa comoção popular semelhante à perda do pai primordial, do deus ancestral, das divindades totêmicas que velam pela sorte dos vivos. Não será a primeira vez na história política brasileira.
O primeiro desaparecido ilustre que encabeça a lista é o rei D. Sebastião Diniz, morto na batalha de Al Kacequibir, na Africa, em sua cruzada contra os mouros. A espera messiânica de D. Sebastião – romanceada por Ariano Suassuna – alimenta até hoje o imaginário político brasileiro, que vive aguardando o retorno do encantado. A transformação do messianismo religioso em messianismo político para, hoje em dia, obra de assessores de campanha política a serviço da esperteza de parentes do falecido (lembrar a carta aberta do irmão- literato)
Não vai ser tarefa fácil. Um líder religioso ou profano não surge assim da noite para o dia, por obra e graças de um desastre aéreo, por mais investimento simbólico-propagandístico que venha a receber. A tragédia desses líderes precisa corresponder- de verdade – a uma vida de sacrifício, de dedicação ao interesses da população, martírio, exílio e morte. Como dizia Hegel, os verdadeiros líderes históricos não passaram de caixeiros viajantes do espírito absoluto: uma vez cumprida a sua tarefa, são abandonados à sua própria e infeliz sorte. Não é bem este o caso do neto de Arraes.
Nem na vida, nem na morte se vê indício de sacrifício ou abnegação por uma grande causa humanitária. Quem se lembra da foto, divulgada pela imprensa, o ex-governador tomando champagne em seu jatinho, enquanto a população de Pernambuco sofria com a greve dos policiais do seu “pacto pela vida”, não pode concordar com o seu ingresso no Panteão dos deuses. A rigor esse exercício de santificação é mais da responsabilidade dos que estão vivos (bem vivos) do que do morto.
Em primeiro lugar, da família, que não quer perder o controle da sucessão do cabeça de chapa. Daí a carta-aberta do irmão literato. Segundo da ex-senadora Marina Silva de olho em sua indicação oficial, na próxima quarta-feira, como sucessora de Campos. Do Próprio PSB em encontrar um nome a altura de substituir o nome do ex-governador na chapa majoritária. E da coligação política local em garantir a eleição do preposto para o governo estadual.
No fundo, a morte é um bom negócio. De um cenário pouco estimulante, pode se fazer uma mudança eleitoral que beneficie a candidata e a coligação estadual do PSB. Como diziam os filósofos, a morte é sempre um problema para os vivos. Eles é quem tem de ressignificar a tragédia para dar um novo sentido às suas vidas e ambições. E assim, quando o cortejo fúnebre passar pelas ruas do Recife, com o esquife dos mortos, na triste caminhada onde estarão o coração, a mente, os sentimentos de muitos daqueles, que na frente das câmaras, se desesperam e choram como as antigas carpideiras contratadas para se lamentar nos velórios das cidades do interior do País.
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