O individualismo (Houaiss: atitude de quem vive
exclusivamente para si, demonstra pouca ou nenhuma solidariedade) é uma
condição que vem merecendo estudos e conceituações desde a Idade Média, quando
o humano passou a ser visto como parte não destacável do conjunto social.
Santo Agostinho (430 dC),
Averróis (1198), Rousseau (1778), Sartre (1980) e tantos outros pensadores
debruçaram sobre esse tema, abordando-o sob óticas diversas.
Portanto, não vou retornar às
considerações filosóficas sobre o tema, mas somente fazer algumas reflexões
atuais sobre o mesmo, especialmente em confronto com seu oposto, que é a
solidariedade.
Já
mergulhado no século XXI, o humano se vê, cada vez mais, impregnado de
comportamentos individualistas. Alegando medo da violência urbana, ou
simplesmente sob o disfarce sedutor das redes sociais que simulam uma enorme
integração das pessoas, elas estão, cada vez mais, distantes umas das outras.
Mesmo bem próximo posicionados
fisicamente, conversam entre si através de aparelhos eletrônicos, que lhes
proporcionam certas comodidades. Entre elas, a possibilidade de esconder o
rosto e suas mímicas tão reveladoras dos verdadeiros sentimentos para com o
outro, assim como a oportunidade de cortar as conexões quando isso lhes
interessar, encerrando a comunicação sem precisar dizer adeus, sequer se
justificar.
Afinal, o “sistema”, que sempre
é responsabilizado pelos problemas eletrônicos, torna-se o único responsável
pela oportuna desconexão, diante de alguma discussão de temática desagradável.
Criado
e educado num ambiente de total solidariedade, desde a minha juventude sempre
procurei ajudar às pessoas, especialmente idosos, senhoras e necessitados de
cuidados especiais.
E o fazia, como ainda o faço,
com a maior naturalidade, gratuidade e satisfação. Talvez por isso
incomoda-me ver jovens sentados em poltronas reservadas às categorias
especiais, fazendo-se observador da paisagem ou sonolento passageiro, para não
enxergar o idoso, a grávida, o deficiente, aos quais é destinado o banco em que
estão aboletados sem qualquer pudor.
Tal situação se repete nas
filas dos bancos, em locais de atendimento ao público e em tantos outros
lugares, sem que robustos, saudáveis e jovens cidadãos sejam capazes de se
deslocar de onde estão indevidamente, para ceder o lugar para quem ele está
reservado.
Em todas essas situações,
predomina o individualismo, maior inimigo da solidariedade, levando as pessoas
a se imaginarem como únicas no mundo, portanto sem qualquer motivo ou obrigação
de contemplar, amparar e se compadecer do próximo que está ao seu lado. Não é
sem razão que o Individualismo e a solidão andam juntos, constituindo causa
bastante frequente de suicídios.
Em
locais onde grupos maiores devem passar para atingir algum lugar, novamente os
mais fragilizados são relegados às últimas posições, pois só depois que a
turbamulta, semisselvagem, já estiver aboletada nos lugares disputados pela
força física, terão alguma oportunidade para usufruir de alguma condição de
segurança e conforto que porventura permaneceu vacante.
Mas
existem outras tão ou mais graves manifestações da rudeza individualista.
Refiro-me à prestação de serviços, desde o atendimento em instituições públicas
e privadas, como nas áreas que podemos chamar de técnicas.
Na primeira, é revoltante
assistir pessoas cuja função é essencialmente a de atender aos que buscam
informações ou assistência para alguma demanda, ignorarem totalmente quem se
aproxima daquele balcão ou guichê.
Seja por desinteresse
individualista, seja porque o(a) atendente está em animado bate-papo com
amigos, aproveitando a inexistência de controle de suas atividades. Coisa
bastante comum em consultórios médicos, em postos de saúde, serviços de
segurança, e mesmo em diferentes empresas.
Revoltante
também são os prestadores de serviço, que com seu individualismo desprezam
àqueles que, em última análise são os que lhes proporcionam salários e
sustento.
Tomo, como exemplo, recente
viajem que fizemos, na qual duas malas que levávamos, tiveram suas alças
totalmente arrebentadas no percurso do hotel ao desembarque no aeroporto,
exigindo substituição completa do sistema.
Observando como alguns
funcionários do hotel, bem como os encarregados de receber e colocar as malas
nas esteiras do aeroporto, tratavam as bagagens, compreende-se porque tantos estragos
ocorrem nas mesmas.
Sei que este é um trabalho
pesado, contudo se aquelas pessoas tivessem mais solidariedade, certamente não
agrediriam esses objetos, pois saberiam que eles transportam bens e sonhos de
viajantes, além de ser propriedade de terceiros, que pagam caro para ter um
serviço seguro.
E se quisermos ir mais longe,
também são os que indiretamente pagam os salários dos que depredam seus
pertences.
E para
não nos estendermos em demasia, lembramos que é no trânsito, das grandes e
pequenas cidades, onde o individualismo se faz mais agudo. Cada pessoa dirige,
estaciona e utiliza seus veículos, como se estivesse sozinho na cidade.
Pouquíssimos são capazes de, ao
estacionar seus veículos, terem o cuidado de verificar se não estão bloqueando
duas vagas, pois apenas se preocupam em deixar para si amplo espaço de manobra.
Os demais, que se danem....
Se
pretendemos viver em ambientes mais saudáveis, mais tranquilos e seguros,
certamente precisamos substituir o individualismo pela solidariedade.
*Evaldo D' Assumpção é médico e escritor
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