GILVAN DO KENNEDY - UM GRANDE BOÊMIO
Aos 72 anos de
idade meu grande amigo Gilvan Cordeiro nos deixou. Quando fui ao seu velório,
vendo o amigo ali inerte, semblante tranquilo, depois de anos de sofrimentos,
devido à amputação das duas pernas em consequência da diabetes.
Começou passar
na minha mente alguns momentos bons que tivemos - as grandes farras, as
discursões, pois ele era cabeça dura e eu também.
Viveu esta
vida como ela deve ser vivida, bebeu todas, namorou todas, se divertiu... até
que a doença começou cobrar o seu preço. Teve ao seu lado uma grande
companheira (GISA), que soube aquentar as presepadas dele, porém sempre teve a
responsabilidade como dono de casa, isto era um fator positivo na sua vida.
Gilvan era altamente cumpridor dos seus deveres, um pouco mulherengo, porém
cumpridor dos seus deveres.
Comecei a
frequentar o bar de Gilvan, quando era na Rua José do Amaral, comíamos aos
domingos a melhor buchada feita em nossa cidade, até hoje ninguém superou.
Quando ele saiu do bar da José do Amaral e foi ser dono do Kennedy, levou toda
sua freguesia para o novo ambiente, e a buchada foi junta.
Por muitos
anos o Kennedy foi o meu bar preferido, quando sentávamos na varanda ou na mesa
do janelão tínhamos a visão total do nosso comércio e também era um lugar
reservado.
Ainda hoje
ninguém faz um frango a passarinho frito na tacha como o que ele fazia - aquele
molho ao vinagrete regado ao vinho tinto era arretado de bom. A carne de sol
assada na brasa acompanhada do vinagrete e daquele arroz soltinho era ótima.
Um dia chego e
o encontro comendo um pirão de ovo - deu
uma vontade enorme de experimentar - já tinha ouvido falar no tal pirão - porém
achava que não era lá grande coisa. Pedi um prato e comecei a comer, pense numa
comida gostosa, pedi a receita e a partir dai sempre que tenho vontade faço um
verdadeiro PIRÃO DE OVO. Outra coisa que aprendi com ele foi o molho a
vinagrete, que ao invés de vinagre coloco vinho tinto e azeite de oliva, fica muito
bom. Certa feita num dia de domingo chego, e ele vai logo dizendo, tenho uma
supressa, vou fazer um PIRÃO DE SURURU DE CAPOTE NO CAPOTE. Com pouco tempo
chega ele com uma das comidas mais gostosa que eu já comi na minha vida,
entramos na cachaça e depois lavamos com cerveja e aquele momento ficou na
minha mente até hoje.
Todo final de
ano eu fazia a confraternização da minha loja no Kennedy, e realmente era um
momento extraordinário, pois ele não tinha pena de comida, botava comida pra
valer e a alegria de todos era contagiante, depois que ele teve de sair do ramo
devido a perda das pernas, nunca mais a nossa confraternização foi à mesma.
Muitas vezes aos
domingos quando ele fechava o Kennedy, nós íamos ao bar da sua irmã (Penha), lá
ele entrava no Domus e eu tomava um copo de vinho jurubeba e depois lavava com
cerveja. Penha já tinha preparado uma boa MAXIXADA, e neste batido íamos até o
anoitecer do domingo. Sem esquecer a companhia do nosso saudoso Hélio Belo.
A sua casa era
uma casa farta, muita comida, muita bebida, lá não existia mesquinharia, era
tudo muito - muitas vezes ele dizia vai hoje almoçar lá em casa, quando chegava
estava Ivo de Bia e outros amigos e haja tira-gosto e haja comida e bebida, era
um dia de domingo supimpa.
Certa feita num
dia de domingo no Kennedy, uma grande farra com mais de oito bons bebedores,
chega Docinho já meio tungado “todos nós sabemos que Docinho tungado era um
porre”, pois bem, tivemos de aturar Docinho, ai pedimos um fígado acebolado ao
molho, quando o fígado chegou, não estava com um bom aspecto, pois estava verde
e espumando, ou seja, já estava passado, ninguém tocou no fígado, porém Docinho
entrou abaixado, e comeu todo fígado, não sei qual foi à consequência no outro
dia.
Gilvan tinha
um defeito horrível, ele não aceitava reclamação, e o pessoal sabendo disto,
não reclamava, quando algo saia errado, porém comigo não tinha boquinha não, se
tivesse errado eu dizia, então nós discutíamos, a maioria das vezes era porque
a cerveja estava encorpada e eu sempre tive um paladar extraordinário para
saber se ele estava encorpado ou não, outras vezes a cerveja não estava bem
gelada...
Uma eterna
discursão nossa que se arrastou até ele deixar o bar, foi quanto à mudança de
uma geladeira velha que ele tinha para gelar as cervejas por um freezer de
cerveja, pois bem, ele relutava de colocar este freezer dizendo que iria
consumir muita energia. Chego para tomar uma cervejinha e ao colocar no copo
noto que ela não estava bem gelada então resolvi dar um cheque mate nele, e
disse – Gilvan coloque a freezer e a energia que ela consumir a mais eu pago,
se o problema de você não colocar a freezer é o consumo de energia, este o
problema esta resolvido. Mesmo assim ele não colocou, era cabeça dura.
Eu sempre
disse que Gilvan começou morrer, quando perdeu as duas pernas e passou a viver
numa cadeira de rodas, pois um homem que tinha uma vida ativa como ele tinha,
ficar preso a uma cadeira de rodas e dentro de uma casa, aquilo foi o início do
fim.
Neste São João
vou sentir muito a sua falta, pois ele todo ano fazia um delicioso quentão e
mandava uma garrafa para mim, mesmo depois de perder as duas pernas ele
continuou a fazer o quentão.
Este relato
que acabo de fazer é apenas uma pequena parte do que nós vivemos dentro da
boemia, perdi um grande amigo.
por Alexandre Tenório - escritor
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